Pesquisadores calculam remuneração anual de 2,2 bilhões de dólares por tempo indeterminado em proposta de Fundo de Royalties Verdes.
Assessoria IPAMEm um planeta superaquecido pela queima de combustíveis fósseis, alternativas ao capital advindo do petróleo podem beneficiar o desenvolvimento regional sem aumentar ainda mais as emissões de carbono que agravam as mudanças climáticas.
Neste contexto, pesquisadores propõem uma saída para garantir recursos suficientes para compensar Estados e municípios pela não exploração de petróleo na Amazônia: o Fundo de Royalties Verdes.
A criação do Fundo de Royalties Verdes com 19,9 bilhões de dólares compensaria Estados e municípios diretamente afetados pela não exploração de petróleo na Margem Equatorial com remuneração anual de 2,2 bilhões de dólares por tempo indeterminado.
O cálculo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) foi divulgado no início de abril em artigo em coautoria com Museu do Amanhã, PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation.
Segundo os pesquisadores, os rendimentos anuais do fundo proposto – com base na taxa Selic a 11,25% – seriam o suficiente para remunerar Estados e municípios com o valor equivalente ao que seria gerado pela exploração petrolífera no período de 27 anos.
Diferente dos lucros obtidos a partir da venda de barris de petróleo, que tendem a cair com a redução natural da produção depois de anos de exploração, os royalties verdes oferecem uma compensação mais estável a longo prazo. :
"A geração de royalties de petróleo tende a sofrer variações, seja pela forma de exploração em si, seja por flutuações no preço da commodity. E pior, no mundo atual, onde a busca é reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, a tendência é que o preço do petróleo e seus derivados caia a médio e longo prazo, na medida que alternativas se viabilizem", diz André Guimarães, diretor executivo do IPAM e autor principal do artigo.
"A proposta dos royalties verdes está alinhada com essa realidade, pois prevê o fornecimento de recursos a Estados e Municípios de maneira estável e permanente ao longo do tempo. Além disso, não haveria riscos de vazamento ou acidentes, o que traria danos muitas vezes irremediáveis para tais regiões amazônicas", acrescenta.
Superar debate dicotômico
O estudo é divulgado em meio ao debate sobre a autorização para exploração de petróleo na Margem Equatorial, na Bacia da Foz do Rio Amazonas. Em fevereiro, técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) recomendaram a não perfuração de poços na região da costa do Amapá.
A pressão pela exploração, refletida em falas públicas de autoridades como o próprio presidente Lula (PT) e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, contradiz os compromissos assumidos pelo Brasil de reduzir em 53% as emissões de gases do efeito estufa até 2030.
Guimarães indica que é preciso superar a dicotomia entre "autoriza" e "não autoriza" para aprofundar o debate.
"A discussão sobre o petróleo na Margem Equatorial ainda é muito dicotômica: ou 'eu sou a favor' ou 'eu sou contra'. É preciso superar a dicotomia e aprofundar o debate. Por isso, queremos colocar um elemento a mais na conversa, de forma que Estados e municípios da Amazônia se beneficiem sem a exploração de petróleo, sem os riscos associados e sem o aumento das emissões de carbono, inerentes à atividade", afirma o autor.
Das contas ao financiamento
Para o cálculo da proposta do Fundo de Royalties Verdes, os autores consideram a produção de 10 bilhões de barris de petróleo em 27 anos de exploração na Margem Equatorial e o preço de 67 dólares por barril – média das projeções de 2030 a 2050.
Assim, os lucros da exploração somariam em 24,8 bilhões de dólares anuais. Aplicada taxa de 15% sobre esse montante, proporção historicamente distribuída a título de royalties no Brasil, tem-se 3,7 bilhões de dólares anuais em royalties: 2,2 bilhões de dólares para Estados e municípios e 1,5 bilhão de dólares para o governo federal.
"O Fundo de Royalties Verdes estabelecido em 19,9 bilhões de dólares considera que o governo federal abriria mão de sua parte dos royalties. É uma postura esperada, se o Estado brasileiro entende que a exploração de petróleo vai na contramão de suas próprias responsabilidades com a população em termos de clima, habitabilidade e condições para produção agropecuária. Porém, outra opção é considerada no artigo: caso o governo federal queira receber sua parcela de royalties, então precisaremos de um fundo cujo montante alcance 33,1 bilhões de dólares", explica Álvaro Batista, pesquisador do IPAM e um dos autores do estudo.
A sugestão dos pesquisadores é que o Tesouro Nacional poderia contribuir com um capital semente para a estruturação do Fundo de Royalties Verdes, convidando outros países, além de fontes de capital privadas, para se unirem ao esforço brasileiro.
Lucros do petróleo não resultam em ganhos sociais
O artigo apresenta ainda uma análise dos resultados do recebimento de royalties do petróleo no Estado do Rio de Janeiro. O Estado abriga 80% de todas as reservas offshore do país, o que torna seus municípios dependentes da atividade.
Porém, os lucros do petróleo não se traduziram em ganhos sociais: entre 2014 e 2023, dez cidades fluminenses concentraram 63% dos 10 bilhões de dólares em royalties de petróleo recebidos pelo Estado. Apenas duas delas registraram alguma melhora no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano): Maricá e Campos dos Goytacazes.
"Os dados expõem uma desconexão entre os repasses milionários e melhorias efetivas na qualidade de vida, com exceções pontuais como Maricá e Campos, que apresentaram ligeira melhoria. O caso evidencia os desafios na gestão dos recursos do petróleo para promover desenvolvimento sustentável", avalia Anna Aguiar, pesquisadora da PUC-Rio e uma das autoras do artigo.
"A equipe de pesquisa científica do Museu do Amanhã trabalha cenários futuros que não sejam uma mera repetição do presente. Daí a nossa alegria em colaborar com o IPAM, a UFRJ e a PUC-Rio nesse estudo", comenta Fabio Scarano, um dos autores, professor titular de Ecologia da UFRJ e curador do Museu do Amanhã, na cidade do Rio de Janeiro.
Transição energética
A presidência brasileira da COP30 coloca entre suas prioridades o financiamento climático, a transição energética justa, além das agendas de mitigação e adaptação. Em carta publicada no início de março, o embaixador André Corrêa do Lago defende que a COP30 seja o marco para uma fase "pós-negociação" dentro da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima).
Para os autores do estudo e da proposta do Fundo de Royalties Verdes, o aumento da ambição e mesmo a implementação das metas climáticas já assumidas pelo Brasil implicam, necessariamente, em deixar o petróleo no subsolo.
"O sinal que o Brasil poderia enviar ao mundo é: 'nós vamos abrir mão de explorar petróleo porque entendemos que faz mal à saúde do planeta, portanto, à nossa saúde. Mas não vamos prejudicar os Estados e municípios. Vamos beneficiá-los com outra forma de financiamento, que seriam os royalties verdes, evitando o dano climático que certamente seria causado pelas emissões de carbono fóssil na atmosfera'. Com isso, o recurso poderia ser investido em mais conservação, restauração, na transição energética, bem como em atividades sustentáveis, com ganhos para o clima do planeta", completa Guimarães.
Fale Conosco
22