Opinião

Royalties e redistribuição

Valor Econômico
03/05/2010 12:05
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A atual produção de 2 milhões de barris por dia vale no máximo R$ 100 bilhões por ano, menos de 3% do PIB.

 

Vencida a discussão sobre a fragilidade da Emenda Ibsen, que previa uma drástica e inviável repartição de todas as participações governamentais sobre a produção de petróleo e gás, cabe ao Senado propor uma forma adequada para a distribuição dos recursos do pré-sal não licitados.

 

Essa proposta deverá obrigatoriamente garantir a atual divisão de recursos sobre os campos já licitados, em produção ou não, visto se tratar de direitos já existentes. Mas, sobre a eventual divisão de recursos dos campos não licitados, pode-se iluminar a discussão com algumas observações.

 

A primeira é que a discussão do papel redistributivo das receitas da produção de petróleo e gás tem que se dar à luz de todos os mecanismos de redistribuição de recursos fiscais existentes, e não isoladamente. A segunda observação é que a motivação de mudar o marco do petróleo introduzindo a partilha é a presunção de que o setor público passaria a capturar talvez o dobro dos atuais 20% do valor de cada barril obtidos pela combinação de royalties e participações especiais. Portanto, qualquer discussão do pré-sal deve partir da premissa de que há mais a ser repartido entre os entes da federação.

 

A terceira observação - núcleo deste artigo - é que o uso das receitas fiscais sobre a produção de petróleo e gás para fins redistributivos, especialmente mediante repartição da base de cálculo dessas receitas, só faz sentido se essas receitas forem significativas dentro do total das receitas públicas. Caso contrário, a experiência internacional é de se usar essas receitas principalmente para compensar produtores, sendo os objetivos nacionais alcançados com o uso da parte do governo central, e.g., por meio de fundos especiais.

 

De fato, nos Estados Unidos, os Estados produtores ficam com 27% dos royalties, o resto indo para fundos de pesquisa e proteção ambiental da União. No Canadá, a Província de Alberta fica com 80%, e a província da Nova Escócia tem mesmo o poder de regular a produção e a cobrança de royalties (em conjunto com o governo central). Nessas federações, onde a produção de petróleo é grande em valor absoluto, mas compõe apenas uma pequena parte do PIB e das receitas públicas, as províncias produtoras são as principais beneficiárias dos royalties. Pode haver apenas uma repercussão na fórmula de repartição de transferências federais, com as províncias produtoras ganhando menos transferências porque têm maior renda própria.

 

Ao se olhar para países menos desenvolvidos como a Indonésia, México, Rússia ou Nigéria, em quase todos eles parte significativa dos recursos fica na região produtora, apesar do maior peso da receita de petróleo nas receitas públicas totais desses países. Na Indonésia, os estados e municípios produtores ficam com 15% da receita, e o resto vai para o governo central (com exceção de Papua, que tem regime especial e fica com 70% das receitas). No México e Rússia as províncias produtoras também têm receitas próprias, ainda que o governo central redistribua parte do que recebe entre os entes não produtores.

 De todo modo, na Rússia, cinco províncias ficam com quase toda a receita. Na Nigéria, por outro lado, a falha em compensar as províncias do delta do rio Niger, em frente do qual se dá a maior parte da produção, é há anos causa de uma séria guerrilha, que não se conforma em ficar apenas com o impacto ambiental e a visão das torres das plataformas queimando gás em frente às suas belas praias, enquanto falta energia nas cidades da costa e os royalties parecem ir para a elite que controla a empresa especialmente formada para administrar os contratos com as concessionárias.

Esses exemplos são relevantes para o Brasil, porque o total de royalties e participações somou menos de R$ 20 bilhões em 2009, enquanto a receita do governo central excedeu R$ 600 bilhões e a arrecadação do ICMS ficou na faixa de R$ 200 bilhões. Ou seja, a receita de petróleo somou menos de 2,5% das receitas públicas do país, sendo que metade já pode ser usada pela União para atender estados e municípios. É evidente que não se faz política de redistribuição com uma quantidade tão ínfima de recursos, especialmente os 1% que ficam com o Estado do Rio de Janeiro.

 

Mais ainda, os recursos de redistribuição incluem R$ 11 bilhões de renúncia fiscal da Zona Franca de Manaus, R$ 30 bilhões de alíquota interestadual de ICMS favorecida para o Norte e Nordeste, o crédito subsidiado para a agricultura e outras atividades, além dos R$ 100 bilhões dos Fundos de Participação de Estados e Municípios-FPE e FPM. Assinale-se que, enquanto, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo ficam com menos de 5% do FPE (4,03%, mais especificamente), há vários estados em que esses recursos correspondem a mais de 1/3 do orçamento estadual.

 

O pré-sal não muda essa equação. Imagine-se que a produção de petróleo duplique e que a receita por barril também dobre por conta da partilha. Nesse caso, as participações governamentais aumentariam para R$ 80 bilhões.

 

Portanto, a proposta original do Estado do Rio de Janeiro, pela qual o governo estadual ficaria com entre R$ 10 e R$ 12 bilhões e os municípios fluminenses com R$ 3 a 5 bilhões, deixando os outros R$ 60 bilhões para a União e, eventualmente, para os entes não produtores continua válida.

 

O Rio chegou a propor e o Senado pode ratificar que 25% do Fundo Social previsto pelo governo sejam transferidos para aplicação autônoma por estados e municípios nas áreas prioritárias do Fundo. Isso daria consistência intertemporal e dimensão redisitributiva às receitas, finitas, do petróleo, ainda que não se deva criar a ilusão entre eleitores e cidadãos de que esses recursos serão tão vultosos quando comparados com o conjunto das receitas fiscais ou da economia.

 

De fato, sempre é bom lembrar que a atual produção de 2 milhões de barris por dia, vale no máximo R$ 100 bilhões por ano, ou menos de 3% do PIB. Mesmo com o pré-sal, supondo que a Petrobras desenvolva rapidamente as reservas que tem e que receberá, levando a produção para 5 milhões de barris dia, estaria se falando de 5% do PIB de hoje, ou 3% do PIB de 2020. Então a divisão das receitas de petróleo tem que se basear em realidades econômicas e não nas fantasias que parecem se incendiar quando se fala no "ouro negro".

 

 

 Por  Joaquim Levy é secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro.
 

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