Duas hidrelétricas na Amazônia que foram criticadas por seus impactos ambientais estão pedindo às Nações Unidas centenas de milhões de dólares justamente pelo motivo inverso - estariam ajudando a salvar o planeta.
As usinas de Santo Antônio, em Rondônia (3.150 megawatts), e de Teles Pires, na divisa entre Mato Grosso e Pará (1.820 megawatts), solicitaram à Convenção do Clima da ONU certificação para gerar créditos de carbono. Se levarem, serão os maiores projetos desse tipo no mundo a receber a certificação.
Seus empreendedores argumentam que as hidrelétricas ajudam a evitar a emissão de gás carbônico (CO2), que iria para a atmosfera caso o Brasil optasse, digamos, por erguer termelétricas.
Segundo cálculos apresentados ao MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) da convenção, Santo Antônio e Teles Pires, somadas, evitariam a emissão de 75 milhões de toneladas de CO2 em dez anos. E merecem ser compensadas por isso, emitindo créditos a serem comprados por países desenvolvidos com metas de corte de emissões pelo Protocolo de Kyoto.
Teles Pires poderia ganhar ao menos R$ 432 milhões e Santo Antônio, R$ 918 milhões no período.
As usinas argumentam em seus projetos que o dinheiro é necessário para aumentar a taxa interna de retorno dos empreendimentos.
"Contamos com os créditos de carbono para compensar o risco do investidor", diz Luiz Pereira, diretor financeiro da Santo Antônio Energia.
Segundo o projeto de Santo Antônio, a usina de R$ 12 bilhões tem taxa interna de retorno de 5,63%, quase metade do padrão para empreendimentos do tipo (10%).
A usina de Teles Pires apresenta argumento parecido.
Incentivo Perverso
Ambientalistas criticaram as submissões e pediram à convenção que negue o registro das usinas no MDL. Segundo a ONG International Rivers Network, os dois projetos têm um histórico de problemas socioambientais. Teles Pires, por exemplo, teve sua construção suspensa pela Justiça por suposta violação a direitos indígenas. Santo Antônio teve um licenciamento polêmico, que levou dois diretores do Ibama a pedir demissão.
Para Philip Fearnside, ecólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o credenciamento das usinas no MDL pode agravar o efeito estufa, não mitigá-lo. Segundo ele, os reservatórios na Amazônia emitem grande quantidade de metano, um potente gás-estufa.
Produzido pela decomposição da vegetação no lago, o metano fica aprisionado no fundo, mas é emitido nas turbinas. "Há uma brecha nas regras que permite considerar emissão zero de metano nas usinas", diz.
O outro problema, segundo Fearnside, é que as usinas seriam feitas com ou sem o MDL. Não representam esforço adicional contra a mudança climática. Os países compradores dos créditos estariam ganhando passe livre para emitir, sem reduções equivalentes no Brasil.
"Não há ganho real para o clima e se joga fora dinheiro que poderia ser usado em projetos que de fato reduzem emissões", afirma.
O assessor de Sustentabilidade de Santo Antônio, Renato Ortega, diz que a questão do metano é controversa.
Para ele, o pequeno reservatório da usina, desmatado antes da construção, minimiza eventuais emissões.
Segundo Ortega, a usina cumpriu todas as exigências legais para o licenciamento.