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A Nova Lei do Gás - avanço ou retrocesso? por Antônio Luís de Miranda Ferreira

Antônio Luís de Miranda Ferreira
22/05/2018 12:50
A Nova Lei do Gás - avanço ou retrocesso? por Antônio Luís de Miranda Ferreira Imagem: Divulgação Visualizações: 944 (0) (0) (0) (0)

Tramita na Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara dos Deputados Substitutivo ao Projeto de Lei 6.407/13, que visa a substituir a Lei n° 11.909/09 (Lei do Gás).

A edição de um novo marco regulatório para setor parte do pressuposto de que a lei atual não conseguiu atingir os seus objetivos principais, quais sejam, o de fomentar o crescimento do mercado e de atrair novos investimentos para a expansão da malha de transporte.

O Projeto de Lei é fruto das contribuições oferecidas pelos diversos agentes da indústria do gás natural dentro do Programa Gás para Crescer, patrocinado pelo Ministério das Minas e Energia, que tomou todo o ano de 2017.

O novo marco procura avançar em pontos importantes para o setor, como a introdução de um sistema tarifário por pontos de entrada e saída nos gasodutos de transporte, a desverticalização da atividade de transporte e o acesso não discriminatório de terceiros a certas instalações essenciais, como gasodutos de escoamento da produção, unidades de processamento e terminais de liquefação e regaseificação.

No entanto, o Projeto de Lei apresenta alguns dispositivos que merecem uma maior reflexão.

Primeiramente, propõe a substituição do regime de concessão para a construção e operação de gasodutos de transporte por um regime de outorga mais simplificado, o de autorização, na premissa de que tal regime abrirá caminho para novos investimentos.

No entanto, na forma proposta, a autorização é condicionada a diversos fatores e eventos. Em primeiro lugar, a outorga será precedida de chamada pública, nos termos da regulação da ANP, para que a demanda efetiva na nova instalação seja estimada. Há, também, a previsão de consultas públicas a serem promovidas pela Agência para a estipulação da receita máxima permitida ao transportador e para a fixação das tarifas de transporte.

Como se não bastasse, o processo de autorização para a construção de gasodutos deverá prever um período de contestação por outros transportadores, que poderão manifestar interesse na implantação do gasoduto objeto do pedido de autorização. Caso isso ocorra, a ANP promoverá um processo seletivo para a escolha do projeto mais vantajoso, considerando aspectos técnicos e econômicos.

Ou seja, o Projeto de Lei cria uma nova criatura jurídica, meio autorização meio concessão, em tudo dependente da discricionariedade do órgão regulador, gerando insegurança jurídica.

A principal razão de o regime de concessão previsto na Lei do Gás não ter prosperado foi a excessiva burocracia imposta pelo Decreto que a regulamentou e pelos atos normativos subsequentes, que criaram uma imensa e intransponível teia de estudos, pesquisas e planos governamentais que acabou frustrando a construção de novos gasodutos.

Prova disso é o resultado do primeiro plano decenal baixado pelo governo, que, após anos de pesquisas e estudos, mesmo ante a histórica incipiência da malha de transporte no país, identificou um só gasoduto de transporte a ser construído, de apenas onze quilômetros, ligando uma unidade de processamento a um gasoduto de transporte. Aliás, tal gasoduto nem chegou a ser identificado pelo tal plano, pois havia sido proposto por um agente de mercado.

Melhor seria, então, a implantação de um regime puro de autorização, sem condicionantes, consultas ou procedimentos seletivos desnecessários, que, certamente, trarão imensa complexidade ao processo, frustrando os seus objetivos.

Alternativamente, ao invés de se revogar a Lei do Gás, o Decreto que a regulamentou poderia ser revisto, simplificando-se de vez o processo de licitação de novos gasodutos, sobretudo quando a sua construção for proposta pelos agentes interessados. Ou seja, proposto o novo gasoduto e apresentadas as informações pertinentes à ANP, uma chamada pública de capacidade seria imediatamente realizada, procedendo-se, em seguida, com a assinatura dos termos de compromisso previstos na Lei, ao processo licitatório. Simples assim, sem estudos e planos governamentais desnecessários.

Outro ponto de atenção no Projeto de Lei é a adequação dos contratos de serviço de transporte vigentes aos novos regimes tarifários por pontos de entrada e saída. Ainda que o Projeto faça menção à preservação da receita auferida pelos transportadores com os atuais contratos e à compensação de eventuais prejuízos, cuidados devem ser tomados para que não seja violado o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que dispõe que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, como são os contratos de serviço de transporte de gás natural celebrados entre carregadores e transportadores.

Se os novos regimes tarifários forem, de fato, benéficos à indústria e atraentes para as partes interessadas, serão elas as primeiras a buscar a adequação de seus contratos, de comum acordo, sem que sejam forçadas legalmente a tanto.

O Projeto de Lei trata, ainda, de matéria que não deveria tratar, por imprópria a uma lei federal. Estamos falando dos serviços locais de gás canalizado, cuja exploração e regulação a Constituição Federal, em seu artigo 25, § 2º, atribuiu aos Estados Federados.

Apesar das várias referências feitas ao citado dispositivo constitucional, com o aparente intuito de preservá-lo, o Projeto de Lei acaba por violá-lo, ao pretender definir e submeter à regulação da ANP a figura do consumidor livre, ou seja, aquele usuário do gás que pode comprar o insumo de outras fontes que não a distribuidora estadual.

A organização dos mercados estaduais, sobretudo a atuação de tais agentes nas áreas de concessão, pelo impacto que causam nas redes de distribuição, depende e deve depender, única e exclusivamente, da regulação estadual, não sendo possível a uma lei federal tratar da matéria sem invadir e violar a competência constitucional dos Estados. Grande parte dos Estados já editou, ou está em vias de editar, novas regulamentações para viabilizar e disciplinar a atuação de tais consumidores em seus territórios.

Tais pontos do Projeto de Lei devem ser reconsiderados, evitando-se jogar por terra, em razão de mudanças mal calibradas em regimes de outorga e de dispositivos inconstitucionais, todo o esforço do mercado para a edição de uma legislação que promova, de fato, a expansão da rede de transporte e o desenvolvimento da indústria do gás natural.

Sobre o autor: Antônio Luís de Miranda Ferreira, é sócio do escritório SVMFA Advogados

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