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Desafios da Medicina OffShore, por Max Pinheiro de Farias Junior

Redação TN Petróleo/Assessoria
04/02/2025 09:52
Desafios da Medicina OffShore, por Max Pinheiro de Farias Junior Imagem: Divulgação Visualizações: 355 (0) (0) (0) (0)

O médico que trabalha em unidades offshore (como plataformas de petróleo e gás, embarcações de perfuração, ou outros locais remotos) desempenha funções diversas e cruciais devido ao ambiente de alta periculosidade, isolado e aos desafios específicos dessas operações. As habilidades necessárias envolvem a capacidade de tomar decisões rápidas em situações críticas, ter competências em saúde ocupacional e emergências médicas, resiliência para trabalhar em ambientes isolados e conhecimento de regulamentações marítimas e de segurança no trabalho. 
 
Além disso, o médico tem tarefas diárias, eventuais, semanais, mensais, bimestrais, semestrais e anuais, tudo controlado em uma agenda rígida, pois existe uma interação constante com vários setores da unidade e com o escritório em terra e leis, normas e regulamentações que regulam nossa atividade.  
 
Nosso cotidiano aborda fundamentalmente o atendimento médico, que consiste na realização de consultas clínicas diárias (devido a exposição a temperaturas muito altas e muito baixas em sequência, temos vários casos de resfriado comum, infecções respiratórias de vias aéreas superiores e polimialgia, geralmente tratados com sintomáticos), que envolvem o diagnóstico e tratamento de condições comuns (febres, infecções, dor, etc.). Realizamos o monitoramento de doenças crônicas de trabalhadores, como hipertensão ou diabetes. Prestamos primeiros socorros e cuidados de emergência para acidentes de trabalho, como traumas, feridas corto-contusas, queimaduras ou exposições químicas e estabilizamos pacientes até que eles possam ser evacuados em casos de emergência médica. 
 
Vale a ressalva que o atendimento avançado já começa a bordo, pois temos todos os equipamentos e insumos necessários para tratamento de pacientes com patologias clínicas graves, como traumas ou descompensações cardiovasculares. Casos cirúrgicos são estabilizados e evacuados para terra, e em unidades onde não temos médicos a telemedicina é aplicada. Nesses casos o profissional de saúde é um técnico de enfermagem, enfermeiro ou um oficial de Marinha com treinamento básico. 
 
Obviamente cuidamos da saúde ocupacional da tripulação, avaliando condições de trabalho para prevenir acidentes e doenças relacionadas ao ambiente offshore,  realizamos inspeções de segurança e meio ambiente relacionadas à saúde e acompanhamos condições específicas, monitorando a exposição a agentes como barulho, vibração, temperaturas extremas ou produtos químicos. 
 
Durante a gestão de saúde e segurança, somos responsáveis pelo planejamento de emergências, desenvolvendo e revisando planos de evacuação médica (Medevac) e  participamos de treinamentos para resgates e evacuação em caso de acidentes graves ou desastres. Esses treinamentos costumam ser semanais, e toda a tripulação da unidade está engajada aos procedimentos. Realizamos a gestão de medicamentos e equipamentos, através do controle e manutenção do inventário, assegurando a validade e o estoque adequado de medicamentos e materiais de primeiros socorros. E realizamos relatórios médicos e legais, documentando atendimentos, emitindo laudos e registrando informações médicas para conformidade regulatória. 
 
Também somos responsáveis pela promoção da saúde à bordo, realizando palestras ou treinamentos sobre prevenção de doenças, ergonomia, primeiros socorros, e estilo de vida saudável, além de planejamento preventivo, organizando campanhas de vacinação, programas de controle de doenças infecciosas e campanhas médicas mensais (Novembro Azul, Outubro Amarelo, Dezembro Laranja,…).
 
O suporte psicológico também é um item fundamental, principalmente devido a proximidade emocional com a tripulação, que por passar metade da vida trabalhando a bordo invariavelmente desenvolve fortes laços de amizade do médico com seus companheiros. A  identificação de sinais de estresse, fadiga, isolamento ou depressão entre os trabalhadores devido ao ambiente remoto torna fundamental o oferecimento de suporte inicial e posterior encaminhamento para especialistas se houver necessidade. 
 
Além de tudo que foi citado, existe um importante trabalho multidisciplinar. É extremamente necessária a interação com outros profissionais, trabalhando com técnicos e engenheiros de segurança, radiooperadores, gerentes de operações e todos os funcionários para garantir um ambiente seguro e saudável. Vale a ressalva que a cultura de segurança em empresas OffShore está na corrente sanguínea de todos os funcionários. O treinamento da Equipe de Emergência, através da capacitação em primeiros socorros e suporte básico à vida (BLS) é fundamental para que o médico tenha o suporte adequado em caso de acidentes com risco de morte. 
 
No dia a dia, algumas tarefas são essenciais para o bom funcionamento da unidade. Precisamos enviar a planilha de atendimentos do dia anterior para o gerente, checar nosso e-mail corporativo e dar andamento às solicitações, como pedidos de material e medicamentos ou recebimento de relatórios. Também monitoramos a temperatura da geladeira onde os medicamentos são armazenados, realizamos o teste diário da água e o encaminhamos ao químico responsável. Durante o expediente, atendemos os pacientes e registramos os atendimentos, arquivamos formulários médicos e controlamos os ASOs. Além disso, mantemos atualizadas as planilhas de inventário de medicamentos e materiais consumidos, assim como a de controle de pessoal. Em algumas unidades, os médicos também organizam as escalas de troca de turno e gerenciam as horas extras da equipe.
 
Semanalmente, realizamos inspeções de higiene em toda a unidade, treinamos o Time Médico (First Aid Team) e participamos do Drill, um treinamento realístico citado anteriormente que simula situações como vazamento de gás, incêndios e resgates em locais de difícil acesso. Também inspecionamos os contêineres de alimentos que chegam a bordo, garantindo que os produtos estejam íntegros e dentro da validade para consumo pela tripulação.
 
A cada quinze dias, fazemos uma checagem detalhada dos equipamentos hospitalares, como ventilador mecânico, monitor, eletrocardiógrafo, nebulizador, lanternas e laringoscópio, registrando todas as verificações em formulário próprio.
 
Mensalmente, realizamos tarefas específicas que exigem controle rigoroso. Coletamos amostras de água potável para análise e envio para terra, descartamos lixo hospitalar e medicamentos vencidos sempre que as bombonas estão cheias e verificamos as medicações controladas junto ao gerente da unidade. Também realizamos inspeções em equipamentos essenciais, como as estações de lava-olhos (Eye Wash Stations), os First Aid Kits, Burn Kits, macas, cilindros de oxigênio e desfibriladores. Além disso, monitoramos o serviço de dedetização e participamos da Reunião de Segurança, que aborda temas voltados à prevenção de saúde.
 
Com menor frequência, mas igualmente importantes, estão as tarefas bimestrais e semestrais. A cada dois meses, realizamos pedidos de materiais e medicamentos, enquanto semestralmente enviamos testes de água para análise em terra. No ciclo anual, verificamos os certificados dos equipamentos, a limpeza dos dutos de ar-condicionado e a qualidade do ar, além de emitir a Declaração Marítima de Saúde exigida pela ANVISA.
 
Por fim, há demandas eventuais que exigem atenção imediata, como a coordenação de MEDEVAC em casos de emergência médica ou o desembarque de pacientes por voo regular em situações menos urgentes. Também realizamos o recolhimento e descarte adequado das caixas de perfurocortantes (Descarpack), vistoriamos embarcações externas e encaminhamos relatórios à Marinha, além de receber e arquivar as fichas de segurança de produtos químicos (MSDS/FISPQs).
 
Como vocês puderam ler, é muito trabalho, todo ele baseado em normas regulamentadoras e legislações específicas. O ideal para a função de um Médico OffShore seria uma formação que abordasse Medicina do Trabalho e Medicina de Emergência - uma inovação - principalmente em empresas com grau de risco 4 de acordo com o CNAE. 
 
Dos 4 graus de risco, esse é o que exige um maior número de obrigações legais relacionadas à saúde e segurança do trabalho. Deve-se considerar ainda o difícil acesso às unidades de perfuração/produção localizadas no mar, onde a partir de 35 milhas náuticas, o transporte é feito por aeronave (NR 37). Muitas dessas unidades, por serem móveis (flutuantes auto-posicionáveis ou não), têm a sua comunicação com terra via rádio ou satélite, que é de onde provém a internet e serviço de telefonia via IP. 
 
Isso significa que a maioria das plataformas tem uma comunicação limitada, podendo oscilar de acordo com variações meteorológicas, tornando a telemedicina também limitada. Considerando-se que, baseadas na NR 37, a maioria das empresas de exploração de petróleo e gás no mar compõe o seu serviço de saúde na maioria das vezes por enfermeiros e/ou técnicos de enfermagem, a telemedicina deixa de ser consultiva (entre médicos) e passa a ser resolutiva (entre médico e não médico).
 
O isolamento torna-se um fator de risco maior, pois torna o transporte de pacientes seja de trauma ou de patologias emergenciais uma variável incerta, pois depende de condições meteorológicas que podem suspender as atividades aéreas até por dias. Sendo assim num cenário onde possa ocorrer falta de comunicação com terra (call center) e incapacidade de evacuação aeromédica, a presença do médico para gerenciar eventos onde há risco de morte, torna-se imprescindível.
 
Na maior parte das unidades temos um médico, um enfermeiro ou um técnico de enfermagem a bordo, mas o ideal seria uma equipe com um médico e um enfermeiro ou técnico de enfermagem. 
 
O trabalho de saúde é realizado em equipe, e cada peça tem seu valor na engrenagem da manutenção da vida. Se ambos pudessem trabalhar juntos,  as chances de sobrevida de qualquer vítima aumentariam exponencialmente. A argumentação clássica é a de que os casos graves são menos de 5% e não justificam o custo de uma equipe completa. 
 
Mas destes 5%, qual seria o percentual de sobreviventes se tivéssemos uma equipe completa a bordo? 
 
Qual o impacto de um óbito no moral da tripulação? 
 
Qual o custo de uma vida?

Sobre o autor: Max Pinheiro de Farias Junior é Cel Médico Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro, Membro da Câmara Técnica de Emergência do CREMERJ, Membro da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do CREMERJ, possui MBA em Gestão Estratégica e Econômica pela FGV RJ e Pós Graduado em Cardiologia pelo IPGMRJ.
 

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