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Desmantelamento e reciclagem de estruturas navais é uma opção de negócios no Brasil? por Júlia Fernandes e Mauro Destri

Redação TN Petróleo/Assessoria
19/04/2021 14:44
Desmantelamento e reciclagem de estruturas navais é uma opção de negócios no Brasil? por Júlia Fernandes e Mauro Destri Imagem: Divulgação Visualizações: 1380 (0) (0) (0) (0)

O processo de descomissionamento de uma estrutura naval (aqui entende-se por plataformas de exploração e produção de óleo e gás, sejam elas fixas, semisubmersíveis, FSO’s, FPSO’s e navios em geral) ocorre quando esgotadas todas as possibilidades econômicas e técnicas viáveis de recuperação, seja da estrutura naval, do poço produtor ou mesmo do esgotamento do campo, por exemplo, conforme Figura 1.

 

O descomissionamento abrange várias alternativas para disposição final das estruturas marítimas como: remoção completa ou parcial, criação de recife artificial, realocação para outro local marítimo, abandono, naufrágio e reciclagem (KAISER; LIU, 2015).

Sendo essa última alternativa considerada ambientalmente aceita devido à possibilidade de recuperação de até 95% dos materiais, sendo assim uma atividade que contempla a economia circular.

InstitucionalTodavia, segundo Destri, existe uma corrente que defende o aproveitamento destas estruturas como recifes de corais, que teria como vantagens, criar uma colônia nova de vidas marinhas e, ainda, serem colocadas em locais estratégicos que possibilitem mergulhos esportivos e turísticos. Criando assim uma nova economia circular em torno do projeto, mas esta sustentável e longeva, diferente do desmantelamento em si, onde não havendo oferta constante de estruturas a serem desmanteladas, seria uma opção negócio temporário, ou seja “finito”. Mas cada caso deve ser estudado e escolhida a melhor alternativa, nada melhor que um EVTE (estudo de viabilidade técnico e econômica) bem elaborado.

Apesar da incerteza sobre a real demanda e a necessidade de recursos necessários a serem investidos, a IHS Markit (2016) prevê um aumento de 540% dos gastos com projetos de descomissionamento offshore entre 2015 e 2040, chegando a US$13 bilhões. Para os próximos 10 anos mais de £15 bilhões são esperados com projetos de descomissionamento no Mar do Norte, onde 49% desse valor compreende a atividade de descomissionamento (tamponamento) de poços (OGUK, 2020). Cerca de 700 a 800 estruturas navais são desmanteladas anualmente, com destaque para Índia, Bangladesh, Turquia e Paquistão como os principais locais de desmantelamento (NGO SHIPBREAKING PLATFORM, 2018). Um fato a ser destacado sobre a pandemia de Covid-19 foi o aumento considerado, e até então nunca visto, de cruzeiros, alguns reformados recentemente, terem seu destino para o desmantelamento encurtado (YEGINSU, 2020).

No caso do Brasil, mais de R$ 38 bilhões são esperados com o processo de descomissionamento entre 2021 e 2025. Conforme a Figura 2, 78 programas de descomissionamento de instalações (PDI’s) estão registrados no Painel de Dinâmico de Descomissonamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), sendo que dos 15 PDI’s aprovados serão descomissionadas até 2022 8 plataformas (3 FPSO’s, 2 semi-submersíveis e 1 fixa). Vale lembrar que o painel, como o próprio nome indica, constantemente é atualizado, portanto os números apresentados aqui são os mais atuais até o período desta publicação.

 

Sabendo que a situação atual dos estaleiros brasileiros é de baixa taxa de ocupação e sem perspectivas para novas encomendas, a atividade de desmantelamento e reciclagem surge como uma alternativa de negócio. Mas como fazer? Como se preparar? Muito pode ser respondido ao realizar um benchmarking (e muita leitura)!

A DNV-GL é uma das empresas autorizadas a realizar relatórios de inspeção em instalações de desmantelamento que desejam se candidatar à lista da União Europeia (conforme regulação EU 12.573/2013). A seguir estão os destaques de dois relatórios de instalações de desmantelamento, um dos EUA e um da Índia.

A instalação americana está localizada na 3ª maior zona comercial dos EUA, na qual possui diversidade no modal logístico para distribuição das mercadorias (ferroviário e rodoviário). Na instalação a estrutura naval é posicionada em um berço molhado onde realiza-se a limpeza de toxinas perigosas presentes. A respeito dos funcionários afirmase que eles são treinados para prevenção de riscos e conscientização ambiental. Além disso, inclui-se na rotina exames de sangue e prevenção de perda auditiva, e equipamentos de proteção individuais (EPI’s) como capacetes, proteção auricular e máscaras estão disponíveis e utilizados nas operações. Sobre registro de acidentes de trabalho, entre 2014 a 2017, a instalação teve 5 dias de afastamentos. A prevenção da contaminação do meio ambiente com materiais perigosos é presente durante todo o processo de desmantelamento. Após a separação, os resíduos são armazenados até serem transferidos para instalações de gestão de resíduos devidamente autorizadas. Em relação ao monitoramento da preservação do meio ambiente, bons parâmetros de qualidade são identificados no ar e na água. Embora toda a área seja concretada com sistema de drenagem, é necessário realizar o monitoramento do solo e sedimentos (DNV-GL, 2018).

Divulgação

A instalação indiana está localizada na cidade de Alang, onde conta com dois hospitais para casos com ferimentos leves. No caso de lesões mais graves, os pacientes devem ser transferidos para o hospital localizado a 55 Km de distância, em uma estrada com tráfego pesado. Na instalação indiana a parte crítica do desmantelamento ocorre no corte primário, realizado na zona entre-marés, sem presença de piso impermeável e sistema de drenagem que possam evitar vazamentos de materiais perigosos. A equipe é treinada para combate a incêndio e possui acompanhamento médico. Os EPI’s como capacete, colete de alta visibilidade e máscara são fornecidos sem restrições. Em relação aos acidentes não há estatísticas de acidentes recentes, apenas um relato de ferimentos leves no ano de 2006. A maioria dos materiais e equipamentos de navios desmontados são vendidos para comerciantes, revendedores autorizados e recicladores. O monitoramento dos efeitos causados pelo desmantelamento apresenta medições sem confiabilidade de dados. As análises do solo, sedimento e da água não são suficientes para detectar a concentração de substâncias como: chumbo, cádmio e mercúrio; apesar de serem de ocorrência natural (DNV-GL, 2019).

Essa breve exposição dos relatórios das instalações de desmantelamento e reciclagem mostra o quanto esta atividade é desafiadora, principalmente nos quesitos ambientais e trabalhistas.

Considerando o crescimento na oferta de estruturas navais a serem descomissionadas nos próximos anos no Brasil. Para aqueles que não gostariam de perder a oportunidade de participar desse negócio, o momento de estruturar uma cadeia de suprimentos de desmantelamento é altamente tempestivo. Neste caso, os estaleiros precisariam investir em licenças e anuências junto aos órgãos reguladores federais / estaduais / municipais; em suas instalações (guindastes, máquinas de corte) e implementar sistema de drenagem e áreas concretadas, obviamente passando pelo treinamento de sua mão de obra, entre outros pontos (contábeis,tributários, etc.). Além disso, é fundamental atuação de empresas no gerenciamento e tratamento de materiais recicláveis e não recicláveis, tendo em vista que realizar monitoramento ambiental é um requisito inerente. Apesar de não se aprofundar aqui sobre as regulamentações internacionais e nacionais, no Brasil a resolução 817/2020 da ANP é a principal regulamentação em relação à fase descomissionamento de estruturas navais no Brasil. Ou seja, ainda é preciso envolver agentes e governo para o desenvolvimento de uma regulamentação para a atividade desmantelamento.

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REFERÊNCIAS

DNV-GL. Inspection of a ship recycling facility in the US, 2018. Disponível em: <https://ec.europa.eu/environment/waste/ships/pdf/Site Inspection Report Application 004.pdf>

DNV-GL. Inspection of a ship recycling facility in India, 2019. Disponível em: <https://ec.europa.eu/environment/waste/ships/pdf/Site Inspection Report Application 003.pdf>

IHS MARKIT. Decommissioning of aging offshore oil and gas facilities increasing significantly, with annual spending rising to $13 billion by 2040, IHS Markit says. 2016.

KAISER, M. J.; LIU, M. Quantifying decommissioning risk in the deepwater Gulf of Mexico. The Engineering Economist, v. 60, n. 1, p. 40–74, 2015.

NGO SHIPBREAKING PLATFORM. Annual list of scrapped ships. Disponível em: <https://www.shipbreakingplatform.org/resources/annual-lists/>. Acesso em: 22 dez. 2019.

OGUK. Decommissioning insight. Disponível em: <https://oilandgasuk.co.uk/reports/>. Acesso em: 26 jan. 2021.

YEGINSU, C. Where cruise ships are sent to die. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/10/30/travel/cruise-ships-scrapped.html>. Acesso em: 26 de janeiro de 2021.

Sobre os autores:

Júlia Fernandes – Mestranda em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável – Universidade Federal do Espírito Santo.

Mauro Destri – CEO da Destri Consulting

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