Mariana Saragoça e Bruno Gandolfo
Comparativamente a outros países e, mesmo no Brasil, a outros setores de infraestrutura (como energia elétrica, por exemplo), o setor de óleo e gás pouco utiliza project finance e outros instrumentos de mercado de capitais domésticos para se financiar, sendo mais comum a realização de investimento com capital próprio dos acionistas das concessionárias. No entanto, essa realidade pode se alterar.
Após anos de discussões, em maio desse ano, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou a resolução que regulamenta os procedimentos a serem adotados nos processos de cessão de contratos de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural, nas alterações de controle societário, na substituição de garantias de performance e na constituição de garantias reais sobre direitos emergentes de contratos de E&P.
Com a aprovação dessas novas regras pela Agência, a estrutura de project finance, que, normalmente, conta com algumas garantias para os credores, foi disciplinada de forma mais clara.
Como principal inovação, a regulamentação da ANP passou a prever a possibilidade de adoção do chamado Reserve-Based Lending, que é um dos mecanismos comumente adotados em outros países como opção de financiamento. Nesse mecanismo, as reservas podem ser utilizadas como garantias de empréstimos.
As regras aprovadas também possibilitaram o chamado step-in ao prever a possibilidade de garantia sobre a posição contratual do contrato. Nessa hipótese, caso haja a execução da garantia, o contrato de E&P poderá ser cedido aos financiadores.
Alguns outros pontos, no entanto, devem causar polêmica. A regulamentação determina que, além de não colocar em risco o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de E&P, nos contratos para constituição das garantias sobre os direitos emergentes de contratos de E&P (sejam reservas, posição contratual ou direitos de natureza creditória e indenizatória), não é permitida a inclusão de cláusulas que permitam ao credor influenciar, de qualquer forma, na gestão ou operação do contrato de E&P ou restrinjam o pleno exercício do direito de voto da concessionária em relação à gestão ou à operação do contrato de E&P.
Assim, enquanto não executadas as garantias, o credor poderá apenas acompanhar a execução do contrato de E&P, com o intuito de tomar as medidas de proteção do crédito e de preservação da garantia previstas no contrato de financiamento celebrado.
Destas disposições da regulamentação surgem dúvidas: haveria uma restrição ampla à imposição de covenants típicos em estruturas de financiamento, tais como limitação a investimentos (ou seu acompanhamento e aprovação prévia por engenheiros independentes), limitação ao uso do caixa da concessionária, estrutura de cascata de contas (waterfall) que privilegie o pagamento dos credores? Essas questões terão de ser tratadas cuidadosamente nos documentos do financiamento da operação.
Entretanto, se houver inadimplemento das obrigações assumidas no âmbito do financiamento, após o início da execução da garantia, as vedações acima não serão aplicáveis se for necessário para preservação e manutenção dos ativos, garantia do cumprimento das obrigações do contrato de E&P, conclusão da cessão e transferência de operação – ou seja, nesse caso, será possível que o credor influencie a gestão do contrato de E&P e restrinja o direito de voto da concessionária. Ademais, na hipótese de execução de garantias em que a devedora seja operadora de contrato de E&P na fase de exploração, a resolução da ANP faculta ao credor o direito de requerer a suspensão do contrato por até 180 dias.
A regulamentação também passou a prever expressamente a possibilidade de criação de garantias sobre as ações da concessionária de E&P, como o penhor e a alienação fiduciária, outra modalidade frequentemente utilizada em project finance.
Além das novidades acima, que trazem maior clareza e criam um ambiente favorável para destravar o project finance para o setor, também há a possibilidade de crescimento do financiamento mediante a captação de recursos decorrentes da emissão de debêntures de infraestrutura.
O setor de óleo e gás aguardava, há meses, a publicação, pelo Ministério de Minas e Energia (MME), da Portaria que substituiria a Portaria MME nº 206, de 12 de junho de 2013, com regras para aprovação de projetos da área de infraestrutura de petróleo, de gás natural e de biocombustíveis como prioritários para fins da emissão de debêntures de infraestrutura. No último dia 17 de junho, finalmente, foi publicada a Portaria MME nº 252/2019.
Além de adequar a regulamentação do MME às regras contidas no Decreto nº 8.874/2016, a Portaria MME nº 252/2019 expandiu a relação de atividades sujeitas a enquadramento, com a inclusão das atividades de estocagem subterrânea de gás natural, liquefação de gás natural e regaseificação de gás natural liquefeito, produção e armazenagem de combustíveis e demais derivados de petróleo e produção e estocagem de biocombustíveis.
Certamente, esse arcabouço regulatório da ANP e do MME aumentou a segurança jurídica para as operações de financiamento no setor de óleo e gás.
Espera-se, consequentemente, que as regras aprovadas pela ANP e a aprovação de projetos prioritários pelo MME para fins de emissão de debêntures de infraestrutura fomentem a atração de mais investidores pelo setor em um futuro próximo, diversificando o perfil dos financiadores e contribuindo para o aumento dos investimentos no Brasil.
Sobre os autores: Mariana Saragoça e Bruno Gandolfo, são advogados do Stocche Forbes Advogados
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