Rafael Gatto
Recentemente, a imprensa divulgou que o aumento dos preços do GLP teria ocasionado um movimento de substituição do gás, nos lares brasileiros, para a lenha ou para o carvão. Essa ideia surgiu após uma leitura superficial dos resultados da PNAD 2017, que contabilizou respostas positivas de 12,3 milhões de domicílios para a pergunta: “Este domicílio utiliza lenha ou carvão na preparação de alimentos?”
Até 2015, os pesquisadores que aplicavam o questionário da PNAD perguntavam qual era o principal combustível para a cocção de alimentos; mas, a partir de 2016, essa pergunta mudou, deixou de ser específica e passou a ser mais abrangente, dificultando assim uma percepção precisa sobre o uso de cada combustível nas cozinhas das famílias. A pergunta atual passou a ser “Qual(is) combustível(is) são utilizados neste domicílio na preparação dos alimentos?”. E as opções apresentadas são “gás de botijão ou canalizado, lenha ou carvão, energia elétrica, outros”. Feita dessa forma, a pergunta não extrai uma informação clara sobre qual é o combustível predominantemente usado para cocção na residência do respondente.
Quando a pesquisa aferiu que 17,6% dos domicílios brasileiros utilizam a lenha e o carvão, pode-se depreender, observando-se os dados de forma mais cautelosa, que essas energias são auxiliares. As famílias não abandonaram o GLP. Isso fica claríssimo ao verificarmos que o total de domicílios que utiliza gás de botijão ou encanado permaneceu no patamar de 98,4% dos lares. Apesar do aumento de 11% do uso de carvão ou lenha pelos brasileiros, nenhuma região do país apresentou queda superior a 1% no consumo de gás de botijão ou encanado.
Os dados da PNAD evidenciam que entre setembro de 2016 e setembro de 2017 não houve queda significativa no consumo de GLP no país, com exceção de alguns estados. Carvão e lenha, portanto, não podem ser apontados como substitutos do GLP, considerando que, caso fossem, a queda no consumo de GLP teria sido muito maior.
Os dados da PNAD apontam ainda que, ao contrário do que se poderia supor, o crescimento do uso da lenha foi maior em famílias de alto poder aquisitivo, especialmente em Curitiba e em Belém. Esse dado rechaça a tese de que a alta do preço do gás teria empurrado as famílias para o consumo de lenha ou carvão. Na capital paranaense, o crescimento foi mais expressivo nos intervalos de renda superior a cinco salários mínimos. Curitiba foi a cidade com a maior taxa de crescimento do uso da lenha no país, saltando de 18 mil para 51 mil domicílios, sendo que 11.155 desses domicílios se encontram na faixa mais rica da cidade. Portanto, o aumento do uso da lenha não tem qualquer relação com o preço do botijão.
A taxa de crescimento no consumo de lenha ou carvão nas capitais do Pará e do Paraná foi de 74% na faixa que ganha mais de cinco salários mínimos, de 50% para quem recebe entre dois e três salários, e 33% para quem ganha de três a cinco salários. A taxa para quem possui rendimentos de até um salário mínimo foi de 46%.
Uma das explicações plausíveis para o uso da lenha em algumas regiões está na cultura local. No Sul, por exemplo, onde houve aumento do consumo, a queima de lenha está ligada aos costumes regionais e ao clima frio. Na Região Norte, além de ser uma alternativa ao botijão, a lenha também é uma forma de repelir insetos. Já em Minas Gerais, os fogões à lenha têm destaque na culinária regional.
O crescimento em 2015 do uso da lenha também pode ter ocorrido por conta da forte retração econômica. O PIB em 2015 caiu 3,8% e a renda domiciliar per capita (com valores corrigidos) reduziu 7,23% para a média da população e 9,4% para a faixa dos 10% mais pobres no país. Além disso, é possível que o aumento de 21,1% do preço do GLP entre setembro de 2014 e 2015 (mês de coleta da PNAD) tenha, eventualmente, algum impacto nas famílias pobres (com renda até um salário mínimo). Entretanto, o uso de botijão de GLP curiosamente cresceu na parcela que recebe até um salário mínimo e reduziu nas parcelas mais ricas.
Por todos os motivos já expostos, correlacionar o maior consumo de lenha ou carvão com a substituição do botijão por esses produtos é incorreto e não condiz com a realidade atual e apontada pela PNAD.
Sobre o autor: Rafael Gatto é economista
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