Cleveland M. Jones, DSc
Mas elas foram menos de um terço do volume de petróleo consumido em 2019!
O mundo ainda celebra o aumento, modesto, das descobertas de recursos petrolíferos em 2019, após um período de vários anos de descobertas muito inferiores às dos anos até 2015 (Rystad Energy, 2020). Ainda assim, mesmo nesses anos passados com descobertas maiores, o mundo ainda descobria muito menos petróleo novo a cada ano, do que consumia do estoque conhecido.
Desde aproximadamente 1984 o mundo não descobre tanto petróleo como produz, ano a ano. Basta observar os dados de produção mundial de petróleo, informados pelos relatórios da BP, por exemplo (BP, 2020), e comparar com o histórico das descobertas mundiais de petróleo, monitoradas até alguns anos atrás pelas entidades que acompanhavam o peak oil, como a Peak-Oil.org e outras (The Oil Drum, 2008).
A partir de 1984, quando as descobertas e a produção global empataram em aproximadamente 20 bilhões de barris (equivalentes a aproximadamente 55 milhões de bopd), o consumo e a produção dispararam à frente das descobertas, à medida que as economias emergentes ampliaram enormemente sua demanda por petróleo. Nesse período, as descobertas tiveram altos e baixos, mas cada década subsequente viu o total cair significativamente.
Conforme o recente relatório da Rystad Energy (Rystad Energy, 2020) sobre as descobertas de petróleo no mundo nos últimos anos, em 2019, a produção e o equivalente consumo de petróleo reduziram as reservas petrolíferas conhecidas em aproximadamente 37,2 bilhões de barris, enquanto as descobertas de 2019 adicionaram apenas aproximadamente 12,2 bilhões de barris aos estoques mundiais.
Entretanto, a tendência de repor uma parcela cada vez menor do volume produzido deve continuar, e até acelerar, nos próximos anos. Isso se deve ao fato que, inexoravelmente, a era do petróleo acabará, e certamente isso ocorrerá ainda durante este século. A demanda por petróleo não será zerada, mas os produtores de petróleo não serão mais os atores dominantes na economia mundial.
Seria inútil continuar investindo dinheiro e esforços na busca por novas descobertas, se elas jamais serão produzidas após o fim da era do petróleo. É uma lógica simples que qualquer empresa petrolífera do mundo entende, até mesmo as estatais dos países cujas economias dependem em grande parte da produção de petróleo, como muitos membros da OPEP, inclusive os gigantes do setor, como Arábia Saudita, Kuwait, Irã, Iraque e outros.
Dessa forma, uma parcela cada vez menor dos recursos petrolíferos produzidos globalmente precisa ser reposta a cada ano. E essa reposição anual de reservas precisará estar representadas cada vez mais por descobertas de grandes acumulações petrolíferas (reservatórios), com características de resiliência com relação à transição energética que acompanhará a chegada do fim da era do petróleo. Isso significa fazer descobertas que apresentem alta produtividade e baixos custos de produção.
As novas descobertas precisarão permitir uma produção viável mesmo com preços mais baixos, que serão a realidade, à medida que outras fontes energéticas se tornam mais competitivas e deslocam os hidrocarbonetos da matriz energética mundial. Investir em novas descobertas somente será compensador se elas permitirem uma produção com custos baixos, com técnicas de produção consagradas, e com o menor impacto ambiental possível.
Não surpreende, portanto, que o pré-sal brasileiro desponta como a província petrolífera que atrai mais atenção e investimentos, em nível global. É justamente no pré-sal brasileiro onde alguns poços alcançam uma produção de mais de 60 mil bopd (não somente em um único poço, mas em três), e onde 66 poços produziam acima de 20 mil bopd, em novembro de 2019 (ANP, 2019).
Num mundo que continua demandando mais de 100 milhões de barris de petróleo por dia, e onde as descobertas precisarão estar focadas em world class accumulations, para continuarem sendo economicamente viáveis, certamente as atenções e os investimentos devem se voltar para o Brasil.
Disso, a indústria do petróleo já vinha se dando conta (Bloomberg Businessweek, 2019). O Brasil está bem posicionado para abocanhar grande parte dos investimentos em exploração e produção, nos próximos anos. Basta que o governo não afaste essa perspectiva positiva com medidas que gerem insegurança com relação às políticas energéticas e petrolíferas.
Ao entender o quão baixas são realmente as descobertas de petróleo em nível global, em relação ao consumo anual de petróleo, a situação pode parecer um tanto preocupante para o mundo. Entretanto, o histórico da produção e das descobertas mostra que a chegada da transição energética, saindo dos hidrocarbonetos e indo para as energias alternativas, segue em frente, de forma lenta, mas constante. Isso permitirá que novas fontes energéticas surjam, sejam desenvolvidas e assumam o espaço na matriz energética que os hidrocarbonetos perderão.
E tudo isso é muito bom para o Brasil, não só pelo seu potencial de energias renováveis, que ampliarão sua participação na matriz energética global, mas também por que o Brasil abriga plays petrolíferos que representam as maiores e mais atrativas oportunidades dos anos remanescentes da era do petróleo.
Referências
ANP, 2019. Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural. 31 dez 2019. Disponível em http://www.anp.gov.br/arquivos/publicacoes/boletins-anp/producao/2019-11-boletim.pdf.
BP, 2020. Statistical Review of World Energy – all data, 1965-2018. Disponível em https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/xlsx/energy-economics/statistical-review/bp-stats-review-2019-all-data.xlsx.
Bloomberg Businessweek, 2019. Exxon Is Back in Brazil—and Betting Big on Deepwater Oil. Online 20 set 2019. Disponível em https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-09-20/why-exxon-is-returning-to-brazil?srnd=businessweek-v2.
Financial Times, 2017. Oil and gas discoveries dry up to lowest total for 60 years. Online 12 fev 2017. Disponível em https://www.ft.com/content/441d0184-f13f-11e6-8758-6876151821a6.
Rystad Energy, 2020. Global Oil and Gas Discoveries Reach Four-Year High in 2019, Boosted by Exxonmobil’s Guyana Success. Online 10 jan 2020. Disponível em https://www.rystadenergy.com/newsevents/news/press-releases/global-oil-and-gas-discoveries-reach-four-year-high-in-2019/.
The Oil Drum, 2008. Peak Oil Overview - March 2008. Online 25 mai 2008. Disponível em http://theoildrum.com/node/4041.
Sobre a autor: Cleveland M. Jones, DSc é professor e consultor associado da CEGeo; pesquisador do INOG – Instituto Nacional de Óleo e Gás/CNPq; membro do Geosciences Advisory Board - NXT Energy Solutions; presidente da Academia Brasileira Ambientalista de Letras – ABAL; presidente do IPGPar – Instituto Pró Gestão Participativa
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Prêmio Chico Mendes, Câmara Municipal de Petrópolis, 2019
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