Política Energética

Artigo: Onde o abacaxi é do tamanho da jaca

Valor Econômico
14/04/2010 14:16
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O trio está em um bar empoeirado em algum ponto do sertão nordestino. O homem de regata branca se prepara para a disputa de queda de braço e começa a falar com o que está no papel de juiz. "Altamira é o centro da Transamazônica. Tem gente do Brasil todo indo pra lá para trabalhar na estrada e depois comprar terra. Lá, abacaxi é do tamanho de jaca. Tem minério, pedra preciosa, tudo à flor da terra. Floresta amazônica, nunca ouviu falar?". O outro fica fascinado. "E os índios? Tem muito índio?", pergunta. O caminhoneiro segue: "Tinha. Mas a maioria, o pessoal já acabou com eles. Depois que fizeram a estrada, virou lugar de branco. Tem dinheiro pra todo mundo. Em Altamira, todo mundo é rico." Lorde Cigano, o personagem vivido por José Wilker em "Bye Bye Brasil", quer conferir a promessa de sucesso garantido. O paraíso vai se desfazendo no caminho da Caravana Rolidei. O sujeito da camiseta estava enganado - os índios ainda estão lá -, mas acertou no tamanho do abacaxi: ele é realmente muito maior do que a jaca.

 

Altamira gosta da alcunha de maior município do mundo. O Ceará cabe ali dentro, a Grécia também. Tem talvez 100 mil habitantes entre zona urbana e rural e a população pode dobrar com a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Não tem coleta de esgoto e só 20% dos habitantes recebem água tratada. É o polo de uma região de dez cidades onde menos de 1% dos moradores têm nível superior e há quase 20% de analfabetos. Todos os atores da Amazônia estão ali reproduzindo todos os conflitos que marcam a história da região: garimpeiros que não gostam de índios que brigam com agricultores que têm problemas com ribeirinhos que são invisíveis para quem vive na cidade. De vez em quando há uma troca de parceiros nessa dança, mas o resultado costuma ser confusão.

 

A briga pela posse da terra está na base da trajetória de mortes da região. Em um sábado de agosto de 2001, o sindicalista Ademir Federicci, o "Dema", coordenador do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu, foi morto com um tiro na boca enquanto dormia ao lado da mulher e do filho caçula. Naqueles dias ele liderava o debate de resistência contra a usina de Belo Monte. O crime que colocou a vizinha Anapu no noticiário internacional aconteceu em fevereiro de 2005 - ao caminhar por uma estrada de terra, a missionária americana Dorothy Stang, 73 anos, recebeu seis tiros à queima-roupa. Os dois fazendeiros acusados de serem os mandantes do crime vivem em Altamira. Um deles, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, desfilou ostensivamente pela cidade ao ser absolvido em julgamento há dois anos.

 

O bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Krautler, tem uma coleção de ameaças de morte por defender povos indígenas, denunciar casos de exploração sexual de adolescentes, ser próximo a Dorothy e radicalmente contrário à usina. Desde 2006 só circula acompanhado por dois policiais militares. Sem escolta, mas igualmente ameaçada, Antonia Melo, coordenadora do movimento de mulheres do Estado e outro forte nome de oposição à hidrelétrica, desde 2004 não sai mais de casa à noite. Casos como esses fincaram o Pará como o Estado de histórico fundiário mais violento do Brasil. É nesse faroeste que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende construir sua maior obra, a segunda hidrelétrica do Brasil.

 

Nesse tecido social esgarçado, onde parece que o poder público foi passear e nunca mais voltou, há entre 15 mil e 20 mil desempregados. Boa parte dessa turma ficou sem trabalho depois que Ibama e Polícia Federal fecharam madeireiras ilegais nos últimos anos. A esperança desse pessoal, evidentemente, está nos 18.600 empregos diretos e nos 30.800 indiretos que o projeto Belo Monte promete criar. É um ponto de sedução inegável para a região. Gente do Amapá, de Rondônia, do Rio de Janeiro, do Maranhão e do próprio Pará desembarca na rodoviária de Altamira todos os dias. Pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine), mais de 8.300 pessoas se cadastraram à procura de trabalho na cidade este ano, mais que o dobro do que foi registrado nos primeiros meses de 2009. "Eu acho o seguinte", começa o ex-operador de máquinas Milton Reis, que hoje trabalha com moto-táxi numa vila de garimpeiros na Volta Grande do Xingu, a duas horas de barco da cidade. "Ninguém aqui está preparado para trabalhar em barragem", continua. "Faz cinco anos que não mexo mais com máquinas. Vou levar meu currículo e vão me achar atrasado."

 

Muitos defensores da hidrelétrica acreditam que na conta de Belo Monte pode estar justamente a guinada no destino de Altamira. Quem quer que venha a construir a usina terá seu próprio pessoal, mas capacitará um pelotão de gente. A pavimentação da Transamazônica, demanda consensual que une opositores e defensores de Belo Monte, terá que acontecer para viabilizar a obra. Eles miram os R$ 500 milhões que devem sustentar o plano de desenvolvimento regional do Xingu e, espera-se, venham a reboque das turbinas. Com estes recursos planejam melhorar a educação, gerar empregos, tornar a agricultura regional mais eficiente e diversificada, atrair indústrias que viriam atrás dos megawatts. Um sinal de que novos tempos podem estar próximos surgiu segunda à noite, em Belém. Depois de 14 horas de julgamento, o Bida foi condenado a 30 anos de prisão pela morte de Dorothy Stang. No fim do mês, Regivaldo Pereira Galvão, o outro acusado de ser mandante do crime, deve ir a julgamento pela primeira vez.

 

 

Daniela Chiaretti, é repórter especial em São Paulo. O titular da coluna, Cristiano Romero, não escreve hoje excepcionalmente

 

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