Entrevista

Rijarda Aristóteles defende protagonismo feminino na era da Inteligência Artificial

“Precisamos aprender as regras do jogo do poder para sentar à mesa das decisões”, afirma a fundadora do Fórum das Mulheres Mercosul–EU.

Miza Tâmara
13/11/2025 13:09
Rijarda Aristóteles defende protagonismo feminino na era da Inteligência Artificial Imagem: Divulgação Visualizações: 223

Nascida no Ceará e radicada em Portugal, Rijarda Aristóteles é uma das vozes mais influentes na defesa do protagonismo feminino no comércio internacional. Doutora em História, empresária e especialista em Relações Internacionais e Diplomacia Econômica, Rijarda consolidou sua trajetória ao fundar o Fórum das Mulheres Mercosul–União Europeia, iniciativa que promove o diálogo entre lideranças femininas da América Latina e da Europa, com foco em inovação, sustentabilidade e integração econômica.

Reconhecida por seu trabalho na promoção da igualdade de oportunidades, Rijarda tem atuado junto a instituições multilaterais e governos na criação de políticas que impulsionam a presença das mulheres em cadeias globais de valor e em áreas de alta tecnologia. À frente do Fórum das Mulheres Mercosul–UE, tem promovido discussões e ações voltadas ao fortalecimento da presença feminina no comércio internacional. A agenda do Fórum já passou por Lisboa e segue para Brasília, em 27 de novembro, e Fortaleza, em 3 de dezembro.

Atendendo a convite da TN Petróleo, Rijarda analisa a expansão da Inteligência Artificial (IA) e como esse fenômeno vem redefinindo o mercado de trabalho global, reabrindo debates sobre equidade de gênero e oportunidades para as mulheres. Enquanto pesquisas alertam que a IA pode acentuar desigualdades históricas, há também quem veja nesse movimento uma chance inédita de inserção, liderança e inovação feminina em setores estratégicos. Nesta entrevista, Rijarda fala sobre o impacto da IA no trabalho feminino e a importância de manter o protagonismo das mulheres nas decisões que moldam o futuro econômico e tecnológico. Confira!

TN Petróleo – Rijarda, como você enxerga o avanço da Inteligência Artificial no contexto das relações de trabalho e quais os principais desafios que as mulheres enfrentam nesse novo cenário tecnológico?

Rijarda Aristóteles – Nós estamos a testemunhar uma verdadeira revolução, não necessariamente para melhor, nas relações humanas de um modo geral, com o fenômeno da IA. As relações, já desiguais, tendem a aprofundar o fosso, agora também digital, que separa povos, gêneros e oportunidades. E por quê? Porque quem comanda toda a estratégia de desenvolvimento e acesso são empresas lucrativas. O Estado, como mediador, tem pouco alcance e ação sobre essas poderosas corporações.

Isso posto, e entendendo a realidade com o pragmatismo necessário, percebo que não há preparação, inclusive temporal, para que as sociedades assimilem essa nova realidade. São experiências recentes, e muitas vezes nos encantamos com o novo sem compreender o que, de fato, significa transferir poder humano para máquinas tão ou mais inteligentes do que quem as criou.

No contexto do trabalho, a ideia defendida pelos entusiastas da IA propõe a substituição do humano pelas máquinas inteligentes, para nos libertar e permitir mais tempo à criatividade, por exemplo. Contudo, numa sociedade estratificada e profundamente desigual, me parece que continuaremos a falar apenas para quem tem maior poder econômico. Repito: não há regras claras, mecanismos internacionais nem controle ético que regulamentem esse admirável mundo novo que já existe.

Para as mulheres, o cenário é ainda mais complexo. Em muitos lugares do planeta, nós ainda lutamos por direitos humanos básicos. Globalmente, as mulheres possuem apenas 77% dos direitos legais garantidos aos homens. Em sociedades como a europeia e a latino-americana, como no Fórum Mulheres Mercosul–UE, estamos a reivindicar melhor equilíbrio de oportunidades para os nossos negócios.

TN – Pesquisas recentes apontam que a IA pode reforçar desigualdades de gênero, especialmente em funções administrativas e de atendimento, onde há maior presença feminina. Que medidas podem ser adotadas para evitar que essa revolução tecnológica se torne uma “armadilha de gênero”?

Rijarda – Me permita contextualizar melhor esse momento histórico. A Revolução Industrial, por exemplo, levou cerca de 200 anos entre a invenção da máquina a vapor e o uso da robótica. Houve um processo que nos permitiu assimilar o que estava por vir.

O uso da IA surgiu há pouco mais de 15 anos e veja as grandes transformações que já estão acontecendo. Muitas inovações extraordinárias surgiram nos campos da saúde, da educação e da automação de tarefas complexas. Porém, as big techs são guiadas, naturalmente, pelo poder econômico.

Nesse contexto das relações de trabalho, as mulheres são diretamente afetadas, especialmente no que chamamos de impacto da automação. E aqui acontece o que você citou como “armadilha de gênero”. A IA vem sendo aplicada, no mundo do trabalho, com mais força justamente nas áreas onde a presença feminina é maior, como relacionamento com clientes, recursos humanos e administração. Certamente há um risco real de maior desemprego feminino nesse cenário.

Por isso, é essencial que o Estado e as instituições públicas invistam cada vez mais em qualificação e capacitação. Nós, no Clube de Mulheres de Negócios de Língua Portuguesa, juntamente com a start-up Mwika, liderada por nossa embaixadora Lúcia Stanisla, dos Estados Unidos, estamos lançando o Programa Kindezi BAL, voltado à formação de meninas e mulheres da África lusófona e do Brasil em Inteligência Artificial. Isso é possível por meio de parcerias com instituições internacionais. No caso da sociedade civil, são gestos coletivos que podem mitigar desigualdades.

TN – Você tem uma trajetória marcada pelo protagonismo internacional, unindo o Mercosul e a União Europeia em torno da igualdade de gênero e da cooperação econômica. Como o Fórum das Mulheres Mercosul–UE tem atuado para inserir as mulheres nas cadeias globais de valor e nas discussões sobre inovação e sustentabilidade?

Rijarda – Nós estamos atentas aos novos cenários geopolíticos e econômicos, que estão sendo rapidamente redesenhados. Atuamos em rede global e em língua portuguesa, em 20 países e quatro continentes. Usamos a diáspora como parceria para a expansão dos nossos negócios, e isso tem sido realmente inovador. Ligamos mulheres empreendedoras e empresárias lusófonas ao mundo.

O Acordo de Livre Comércio Mercosul–UE está há 25 anos em construção, entre idas e vindas. E, como dizia John Keynes, “no longo prazo, todos estaremos mortos”. Ou seja, precisamos nos alinhar com o que está acontecendo agora. Há uma perspectiva real de que o acordo seja assinado ainda este ano, e nós, mulheres de negócios, queremos participar ativamente desse que é um dos mercados mais promissores para nossos produtos.

TN – O Fórum realiza, neste ano, encontros em Lisboa, Brasília e Fortaleza. Que resultados concretos esses eventos têm trazido e de que forma contribuem para o fortalecimento da presença feminina nos setores de comércio, energia e tecnologia?

Rijarda – Estamos com uma agenda muito bem estruturada para apresentar à sociedade, aos governos e às instituições públicas e privadas que estamos preparadas para sentar à mesa de decisão e de construção. Não há como ficarmos à margem desse processo.

O Fórum vem se consolidando como uma ação permanente que congrega mulheres interessadas em potencializar mercados em todos os setores. Promovemos encontros itinerantes nos países para apresentar oportunidades às mulheres locais. Em Lisboa, quando lançamos o primeiro Fórum, foi algo extraordinário. Conseguimos reunir embaixadas, instituições e sociedade civil com um olhar inclusivo para os negócios liderados por mulheres. Foi um momento marcante, pois se percebe que há boa vontade para essa inclusão.

Queremos desenvolver uma mentalidade feminina de negócios internacionais. Nesse sentido, já nos aliamos e somos inspiradas por ações apoiadas pela Apex Brasil, por exemplo. Estamos aqui para somar com inteligência, compromisso e visão social.

TN – A IA vem transformando também o setor energético e a cadeia de óleo e gás, tradicionalmente dominados por homens. Que oportunidades você enxerga para as mulheres nesses segmentos em transição para um modelo mais sustentável e digitalizado?

Rijarda – Eu acredito muito no potencial e na inteligência da mulher, e isso é, para toda a sociedade, uma mais-valia imensurável. Nós aportamos aos negócios, às negociações e aos resultados uma visão alargada, ponderada e inovadora. Por isso, somos imprescindíveis neste momento de transição global.

Vejo as mulheres com possibilidades enormes de liderar setores estratégicos, como o de energia e todas as suas vertentes. Investir em capacitação e inclusão de mulheres nesses segmentos é criar uma adequação para melhor. Homens e mulheres juntos, em equilíbrio numérico e de poder de decisão, é o caminho mais esperado para os novos desafios que se avizinham. Já estamos atrasados.

TN – Como nordestina que conquistou reconhecimento internacional, que mensagem você deixaria para as mulheres brasileiras que buscam ocupar espaços de liderança em um mundo cada vez mais tecnológico e competitivo?

Rijarda – Somos mulheres, independentemente da geografia. Eu adoro ter nascido em Fortaleza e levar nossas raízes aonde quer que eu vá. O meu povo brasileiro me serve de farol em qualquer lugar do mundo.

Quero ressaltar que há um senso de urgência para que mais mulheres percebam sua real responsabilidade de sentar à mesa de decisão e ter o poder também de decidir. Hoje, minha grande missão de vida é transmitir conhecimento para que possamos aprender as regras do jogo do poder. O que levei muitos anos de estudo e experiência para compreender, hoje posso oferecer como caminhos.

Essas regras nunca fizeram parte do cotidiano feminino. No entanto, elas existem, e precisamos conhecê-las e usá-las. Após cinco anos liderando internacionalmente mulheres e participando de várias mesas de decisão, dedico-me também a ensinar essas regras para que mais mulheres assumam postos de comando.

O poder que ensino é estratégico, do equilíbrio, da não submissão, do não grito. Há regras que, quando dominamos, trazem leveza à mesa de decisão, porque não nos sentimos excluídas. Somos partícipes inteligentes de algo maior.

E uma constatação: os homens inteligentes reconhecem e apreciam lidar com mulheres também inteligentes e conhecedoras do jogo de poder. A competição passa a ser em outro nível, muito mais interessante. Viva!

 

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