Por Edmilson Moutinho dos Santos.
O veto da presidenta Dilma Rousseff ao artigo 3º do Projeto de Lei do Senado nº 2565/2011 – que mudaria as regras de distribuição dos royalties do petróleo para os campos já existentes e em fase exploração e produção – é emblemático, pois tanto pode colocar gasolina em um debate político que já se encontra quente, como pode enterrar de vez, qualquer discussão mais intensa sobre as regras de divisão destes recursos.
A questão é complexa e suas especificidades tornam o tema ainda mais confuso para o leigo. Em uma tentativa de simplificação, pode-se imaginar uma caixa com duas linhas e duas colunas. Nas linhas temos a origem geológica do petróleo, que pode estar localizado em rochas do pós ou do pré-sal. Nas colunas temos a escala do tempo que traduz a realidade passada/presente e o futuro.
Acima da camada de sal – pós-sal (menos profundo) |
Antigos contratos de concessão (1) |
Novos contratos de (3) |
Abaixo da camada de sal – pré-sal (mais profundo) |
Antigos contratos de concessão (2) |
Novos contratos de partilha de produção (4) |
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Passado e presente (Campos em fase de exploração e produção) |
Futuro (Campos que ainda deverão ser leiloados) |
A solução proposta pela presidenta da República com seu veto deve encerrar o debate para os recursos existentes na Célula 1 do gráfico e para aqueles que poderão existir na Célula 4. Nos atuais campos do pós-sal (que representam a quase totalidade da produção e das reservas nacionais correntes, algo como 16 bilhões de barris), a legislação atual destina a maior parcela dos royalties aos Estados e municípios produtores (principalmente o Rio de Janeiro). O veto da presidenta preserva esta situação e acalma o ânimo do governador carioca.
Por outro lado, as primeiras descobertas gigantes tornaram as perspectivas do pré-sal altamente favoráveis (há quem espere reservas de 50 a 100 bilhões de barris nessas áreas). Essa nova realidade levou o governo a alterar o regime contratual e a distribuição dos royalties que ali poderão ser gerados, buscando maior equidade entre Estados e municípios produtores e não produtores.
O artigo 2º do Projeto de Lei do Senado nº 2565/2011 não foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff, consolidando as novas regras de distribuição dos royalties para o eventual futuro petróleo a ser produzido sob o regime contratual de partilha de produção (que ocorrerá obrigatoriamente nos futuros campos de pré-sal).
É verdade que esses extremos do campo de batalha devem ser pacificados com a nova regulamentação. Contudo, pode-se prever que a guerra ainda não terminou e as “batalhas mais sangrentas” ainda estão por vir (mantendo em estresse o nosso precário pacto federativo). O petróleo da Célula 1 é essencial no presente, porém a produção desses campos tem experimentado declínios expressivos nos últimos anos, processo que parecem inevitáveis.
Portanto, os royalties ali gerados são insuficientes para atender às demandas dos atuais Estados e municípios produtores. Por outro lado, o futuro da Célula 4 pode ser maravilhoso, porém sua realidade ainda é muito incerta e a transformação dessa eventual riqueza mineral em dinheiro vivo ainda está longe em décadas (talvez até possamos dizer em meio século).
Então ninguém pode “baixar guarda” em respeito ao petróleo (presente e futuro) das Células 2 e 3. O Palácio do Planalto deixou em aberto e analisa propor uma Medida Provisória para alterar a divisão de royalties de futuros campos de petróleo que ainda serão explorados pelo sistema de concessão (Célula 3, isto é, fora da região do pré-sal). Impossível prever a relevância que poderão adquirir essas novas fronteiras e o tempo necessário para que outros campos venham a ser descobertos e produzidos ali.
Antes do pré-sal, essas áreas atraíam muito interesse e, portanto, ainda podem revelar enormes surpresas (por exemplo, já se especula sobre eventuais reservas gigantes de gás de xisto em muitas dessas áreas). Por isso, cada governador e prefeito deve ter o interesse de defender o seu maior acesso aos eventuais royalties dessa Célula 3. Contudo, com a Petrobras atualmente ocupada com as descobertas registradas na Célula 2, pode-se esperar que os ritmos de operações em áreas da Célula 3 serão bem mais lentos.
Isso nos leva, então, a focar na Célula 2. Creio que a presidenta Dilma Rousseff espera que os conflitos em relação a essas áreas estejam encerrados. A paz, sendo obtida, virá em linha com o argumento defendido pelo governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que sustenta que qualquer alteração na legislação atual em relação às descobertas registradas na Célula 2 representaria inaceitáveis quebras de contrato.
Caso isso ocorra, ele poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Muito difícil estimar as eventuais consequências dessa medida, porém os riscos jurídicos aumentariam substancialmente para a Petrobras e seus sócios (justamente quando os obstáculos tecnológicos, econômicos e logísticos que cercam o pré-sal já se revelam maiores do que inicialmente esperados).
Foi possível acompanhar a mobilização (suprapartidária) das lideranças políticas e da população carioca, pressionando a presidenta da República pelo veto imposto ao PLS nº 2565/2011. Aos cariocas, juntaram-se as forças dos Estados que serão fortemente produtores a partir da exploração dos recursos já descobertos na Célula 2, destacando-se, evidentemente, o Espírito Santo, mas também, como cartada final e tardia – mas essencial – a manifestação do Estado de São Paulo.
Por meio do secretário de Energia, Jose Aníbal, São Paulo decidiu sair de cima do muro e se juntar às demais unidades federadas que se sentiam prejudicadas com a nova regulamentação aprovada no Congresso. O peso político desses três Estados do Sudeste foi definitivo para convencer a presidenta Dilma a vetar o texto.
Porém, vamos aguardar os desdobramentos. Na Célula 2, as riquezas já encontradas e que ainda estão por vir parecem enormes (pode-se esperar de 20 a 40 bilhões de barris ou até mais). Com a nova regulamentação consolidada, a chefe do Executivo Federal preferiu manter a legislação atual e destinar a maior parcela dos royalties que virão a ser produzidos desses campos aos Estados e municípios produtores (26,25%), contra apenas 1,76% para os entes federados não produtores.
Muito provavelmente, o debate em relação à Célula 2 ainda não está terminado, e o Congresso, majoritariamente constituído por representantes de Estados não produtores, terá todo o interesse de derrubar o veto da presidenta. No entanto, isso poderá comprometer também a paz relativamente precária estabelecida em torno dos recursos existentes na Célula 1 e o conflito voltaria a se acalorar.
Não sendo possível buscar soluções distintas e politicamente aceitáveis para a distribuição de royalties que poderão ser produzidos nas diferentes Células 1, 2, 3 e 4, o PLS nº 2565/2011 tem elevada probabilidade de morrer antes mesmo de ter nascido. E o “Conflito Federativo Petroleiro Brasileiro” não será encerrado, podendo ganhar proporções inesperadas e com eventuais consequências indesejáveis a todos os atores envolvidos nesta complexa disputa petrolífera.
(*) Edmilson Moutinho dos Santos é professor do Programa de Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e coordenador do Programa de Recursos Humanos da ANP/Petrobras – PRH-04.
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