Marisselma R. Santana
O Brasil descoberto em 1.500, foi colônia de exploração portuguesa, com território de dimensões continentais, paisagens de tirar o fôlego, riquezas naturais exuberantes cujo povo nativo foi considerado pelos visitantes selvagens desnudos, que desconheciam até espelhos e não é que os nativos ficaram maravilhados, sim, com os espelhos... já os portugueses, esses vislumbraram outras coisas do lado de cá do oceano.
Neste cenário a nova terra atraiu a atenção também de outras nações do velho mundo, o Brasil foi invadido por franceses, primeiramente no Rio de Janeiro e depois no Maranhão, holandeses em Salvador e Recife que dali dominaram grande parte do território nordestino, sem esquecer dos espanhóis que também prestavam atenção às novas terras, mas isto é passado.
O Brasil teve como forma de governo inicial o império e depois tornou-se república. A chamada República Velha instituiu um novo regime de governo apenas, mas não conseguiu implementar uma nova forma de governar, ou seja o ranço do Brasil colônia estava presente nos republicanos de tal forma que impregnou-se e perpetuou-se nas novas lideranças que assoberbaram-se com o poder, espelhando-se no velho e conhecido mundo, note o espelho novamente...
Os republicanos trouxeram algumas conquistas, mas com elas, praticaram também muitas mazelas e os malefícios dos negócios realizados de forma obscura, com a busca de interesses pessoais em vez de interesses coletivos da nova nação em desenvolvimento, sendo a prática de ilícitos a principal ferramenta para atingir os objetivos que beneficiavam somente uma minoria. O país jovem cresceu então com diferenças de classes abismais, resultando numa sociedade em sua grande parte corroída e miserável que vemos hoje.
De 1.500 para cá muita coisa aconteceu no Brasil, por corrupção entende-se vários crimes como por exemplo: lavagem de dinheiro, formação de cartel, caixa 2, fraude, suborno/propina dentre outros, com esse panorama é claro que muitas mudanças são necessárias, e o tempo urge, o Brasil tem pressa porque corremos o risco de envelhecer sem prosperar e isso seria um golpe duro para as futuras gerações.
Os recursos desviados por corrupção alimentam uma rede de crimes no mundo como tráfico de drogas, tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, empresas de fachada, lavagem de dinheiro e financiamento a organizações terroristas, só para citar alguns. São organizações criminosas complexas num emaranhado de conexões e transações, cujo objetivo é a manutenção do poder econômico nas mãos de corruptores, valendo-se dessas operações para impedir a rastreabilidade no caso de investigações.
A corrupção sistêmica e serial presenciada hoje no Brasil, não é exclusividade desse ou de uns poucos países, trata-se de um fenômeno global que além dos problemas morais e éticos, tem também como característica problemas culturais. A certeza é que a corrupção deve urgentemente ser combatida e rechaçada.
O maior legado de um povo é a sua cultura e educação pautada por moral e ética que devem ser transmitidas e disseminadas de geração em geração, pela informação e conhecimento do que é certo e errado, do que é inaceitável, de saber como tratar, agir e responder questões sejam elas simples ou complexas de obediência a lei, porque a corrupção não pode jamais se tornar uma prática de usos e costumes, isto seria vergonhoso.
Não podemos voltar a 1.500 para mudar a história do Brasil, mas podemos escrever uma história diferente daqui para a frente, para isso precisamos mudar a forma de pensar, de educar, de ensinar e de se fazer negócios neste país, utilizando a educação e conhecimento bem como todas as ferramentas disponíveis para todas essas mudanças.
O Brasil é signatário da Convenção de Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização de Comércio e Desenvolvimento (“OCDE”), promulgada localmente pelo Decreto 3.678 de 30 de novembro de 2000, ações como essa de uma instituição desse nível, evidenciam a existência de uma agenda internacional contra a corrupção e o suborno, demonstrando claramente que os países devem se organizar também internamente se quiserem se tornar protagonistas no mercado internacional, caso contrário ficarão e serão deixados para trás.
Ainda que o Código Penal Brasileiro tipifique crimes de corrupção passiva e corrupção ativa, a promulgação da Lei Anticorrupção Brasileira, Lei 12.846/13 regulamentada pelo Decreto 8.420/15 demonstra a preocupação brasileira na luta contra a corrupção e na corrida contra o tempo. Hoje no Brasil muito se fala em programas de integridade ou compliance, certificações de compliance e mais recentemente na norma antissuborno ISO 37.001. É um avanço, ainda que a passos lentos, mas para correr é preciso aprender a andar, certo?
O órgão acreditador no Brasil de organismos certificadores, é o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (“Inmetro”), que é signatário de vários tratados internacionais de acreditação inclusive.
A Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro (Cgcre) é o organismo de acreditação de organismos de avaliação da conformidade reconhecido pelo Governo Brasileiro. A Cgcre é portanto, dentro da estrutura organizacional do Inmetro, a unidade organizacional principal que tem total responsabilidade e autoridade sobre todos os aspectos referentes à acreditação, incluindo as decisões de acreditação.
O International Organization for Standardization (“ISO”), é um organismo normalizador internacional, cuja metodologia é consagrada e reconhecida globalmente, que tem publicado normas voluntárias relacionadas a compliance e suborno, demonstrando assim ao mundo sua preocupação com a boa governança corporativa.
A ISO 19.600, Sistema de gestão de compliance, é uma norma de diretrizes, cuja versão em inglês está sob revisão sistemática do ISO, sendo a versão em português uma tradução livre que também está sob revisão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (“ABNT”).
Apesar do ISO não ter publicado uma norma certificável de requisitos de compliance, alguns países elaboraram sua própria norma de requisitos para compliance, a boa notícia é que em breve possivelmente teremos uma norma brasileira de requisitos também para programas de compliance, que poderá ser integrado outros sistemas de gestão.
Já a ISO 37.001:2016 - Sistemas de gestão antissuborno – Requisitos com orientações para o uso, é uma norma de requisitos, publicada em inglês em outubro de 2016 e em português em março de 2017 como ABNT NBR ISO 37001:2017, certificável, quem tem como objeto específico o suborno, e pode sim, se a organização assim desejar, ter esse escopo ampliado para outros crimes de corrupção, bem como ser integrado a outros sistemas de gestão.
Desde a publicação em inglês a norma foi adotada em 14 National Member Bodies (países membros) do ISO e uma média de 60 a 80 empresas já estão certificadas no mundo, 80% no mercado europeu.
Por que uma norma de sistemas de gestão antissuborno? A resposta é simples: porque as leis e os programas de compliance por si só não foram suficientes para combater o suborno, é só analisar os casos recentes de corrupção no Brasil e no mundo, empresas com programas de compliance robustos envolvidas em escândalos inimagináveis.
Neste cenário, surgiu então a necessidade de responsabilizar as organizações pelas ações de seus executivos, dirigentes e colaboradores num sistema específico de combate ao suborno.
O mercado internacional já cogita o ABC Program (o “ ABC” é por causa dos termos em ingês: Anti-Bribery and Compliance), que seria a implementação integrada do sistema de gestão antissuborno ao programa de compliance da organização.
A implementação de um ABC Program pode gerar vantagem competitiva, mitigar dos riscos, ter maior credibilidade do mercado e de instituições financeiras, comprometimento dos empregados e colaboradores para manutenção de um ambiente honesto e transparente, maior possibilidade de investimentos dentre outras.
O fato é, que independentemente do programa escolhido pela organização, alguns aspectos são fundamentais para o sucesso da implementação:
1. Comprometimento e suporte da alta direção e média gerência
2. Avaliação do risco para que se determine a abrangência do programa
3. Canais de denúncia anônimos e política antirretaliação
4. Código de conduta, políticas e procedimentos bem definidos, incluindo terceiros se for o caso
5. Treinamento e capacitação das pessoas
6. Plano de comunicação bem elaborado
7. O responsável pelo sistema deve estar apto a identificar e avaliar os riscos, prevenir, detectar, auditar e responder aos problemas relacionados ao programa, bem como efetuar melhoria contínua.
A mais importante reflexão é que o sucesso de qualquer iniciativa dependerá do comprometimento da organização, dos recursos disponibilizados, do engajamento setorial e da sociedade como um todo, e principalmente das pessoas que deverão trazer de suas casas e famílias, a base e estruturas necessárias para a construção de organizações melhores, mais honestas e transparentes, conduzindo seus negócios de uma maneira digna e exemplar.
Sobre a autora: Marisselma Rodrigues Santana é executiva das áreas jurídica e compliance e coordenadora da Comissão de Estudo Especial Antissuborno na ABNT.
Contato: +55 11 97693 9109
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