Telmo Ghiorzi
A indústria brasileira de óleo e gás passa por uma redução drástica em sua atividade produtiva. Dentre os diversos indicadores que atestam isso, um dos mais contundentes e visíveis é a redução no nível da atividade de perfuração. Com efeito, esta é atividade que pavimenta as atividades subsequentes desta indústria e, por conseguinte, reduções nela implicam reduções em todo o setor. Estudo realizado pela ABESPetro, com base em dados da ANP, indica que a quantidade de poços perfurados em 2015 e 2016 só tem paralelo com os dados do ano de 1969. A figura abaixo mostra a evolução deste indicador.
Fig. 1 – Número de poços perfurados por ano (Fonte: ABESPetro/Accenture)
O setor é caracterizado por flutuações que decorrem de flutuações no preço do óleo, do ciclo de exploração-desenvolvimento-produção-desativação e até, numa abordagem localizada, de variações naturais no comportamento dos reservatórios.
No Brasil, contudo, testemunhamos variações ainda mais intensas do que no cenário internacional. Estamos passando pelo que alguns analistas denominam de “tempestade perfeita”. O efeito combinado do momento de baixa nos preços do petróleo com a redução acentuada da atividade da Petrobras em decorrência dos desdobramentos da operação lava-jato.
Os recentes anúncios do governo sobre os leilões que serão realizados ainda em 2017 e sobre a previsibilidade de leilões para os anos seguintes, aliado ao anúncio sobre revisão das regras de conteúdo local, dão alento e expectativas positivas aos atores do setor, sobretudo para petroleiras e para o sistema de fornecedores.
Entretanto, há um elemento que permanece como “Espada de Dâmocles” sobre a indústria brasileira de óleo e gás. As ações locais não poderão contrapor de modo definitivo ou perene às ameaças do shale oil. A inovação introduzida pelos EUA na exploração de hidrocarbonetos antes tidos como inacessíveis trouxe duas ameaças à indústria brasileira de petróleo. Uma de caráter geral, pois há convergência entre analistas do setor de que o shale oil passa a ocupar o lugar antes ocupado pela OPEP na influência sobre a dinâmica dos preços globais do petróleo. Esta nova fonte de petróleo trouxe ao setor a dinâmica do low for longer. Ou seja, teremos preços ao redor de US$50-70 por barril por muito tempo.
Há, todavia, uma ameaça de caráter específico e que atinge diretamente a indústria brasileira de petróleo. O shale oil, desde 2015, deslocou o óleo produzido em águas ultra-profundas. A inovação da produção a partir do shale oil foi acompanhada de inovações que a transformaram e que podem resultar em custos menores do que a produção em águas ultra-profundas. A figura abaixo mostra o efeito deste fenômeno.
Fig. 2 – Deslocamento do petróleo de águas ultra-profundas pelo shale oil (Fonte: ABESPetro/Accenture)
A figura indica que demandas adicionais de petróleo serão atendidas preferencialmente a partir do shale oil dos EUA em vez de a partir dos recursos disponíveis em águas ultra-profundas. Em outras palavras, o avanço do shale oil pode implicar, no limite, que o pré-sal brasileiro não verá transformado seu potencial em benefício econômico real.
Da mesma forma que o shale oil evoluiu em razão da competência para inovar presente em toda indústria dos EUA e em particular em seu setor petrolífero, o Brasil precisa evoluir na mesma direção. É preciso inovar para aumentar e manter a competitividade do pré-sal brasileiro. Não há dúvidas sobre a viabilidade técnica de explorar o pré-sal. A questão que se apresenta agora diz respeito à viabilidade econômica de explorar estes recursos. E a resposta está nas inovações, disruptivas ou incrementais, que vão aumentar a competitividade do pré-sal.
O que define o fenômeno inovação é o sucesso comercial das novidades desenvolvidas e introduzidas no ambiente produtivo. A essência e a base do sistema capitalista são as constantes inovações que mantém o saudável ciclo da destruição-criadora. O setor petrolífero brasileiro precisa delas para assegurar sua perenidade e progresso constante, sobretudo quando se considera a ameaça do shale oil.
Inovação e competência para inovar resultam de diversos fatores combinados. As políticas públicas ocupam lugar importante dentre estes fatores. No Brasil, há duas políticas públicas que são particularmente importantes para estimular inovação no setor petrolífero. Elas se materializam nas regulações de Conteúdo Local (CL) e de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI).
O CL está passando por alterações no sentido de redução dos requisitos de conteúdo local mínimo e de simplificação de sua aplicação. Seria, porém, produtivo se os aperfeiçoamentos do CL fossem também na direção de rever suas diretrizes para contemplar o estímulo à inovação em vez de se concentrar no estímulo à capacidade produtiva. O PEDEFOR, ao incluir, reconhecer e premiar a realização de engenharia no Brasil, sobretudo no que se refere à engenharia de produtos, caminha neste sentido. A engenharia é uma das atividades-mãe da inovação industrial. E, portanto, é fator fundamental na construção da viabilidade econômica de qualquer setor.
A regulação de PDI pode também ser aperfeiçoada no sentido de estimular de fato inovação. O fenômeno inovação tem entre as características críticas para seu sucesso a interação entre os diversos atores da indústria. No caso da indústria petrolífera brasileira, a interação deve acontecer entre as petroleiras, as empresas do sistema de fornecedores e as universidades. As histórias de sucesso destas interações são impressionantes nos EUA e Europa, mas não mostram o mesmo desempenho no Brasil. Uma regulação que promova esta interação e que, ao mesmo tempo, estimule atividades-chave para a inovação é essencial para assegurar o desenvolvimento de inovações que vão dar viabilidade econômica à indústria brasileira de óleo e gás.
O setor petrolífero brasileiro vive, de certo modo, um impasse. Possui todos os ingredientes para crescimento sustentado, pois tem as maiores reservas em águas ultra-profundas do mundo, diversas petroleiras operando no Brasil, um sólido sistema de fornecedores e universidades com alta competência na produção científico-tecnológica. Mas seu arcabouço regulatório é precário no sentido de induzir inovações e, portanto, de induzir a viabilidade econômica de parcela de seus recursos petrolíferos. É preciso repensar este arcabouço para tornar mais competitivos os recursos disponíveis em águas ultra-profundas. Nesta busca por viabilidade econômica, pode-se almejar, como desejável efeito colateral, tornar o Brasil a referência mundial na exploração dos recursos disponíveis em águas ultra-profundas.
Sobre o autor: Telmo Ghiorzi, mestre em engenharia de petróleo pela Unicamp e doutor em políticas públicas pela UFRJ, é executivo dos setores de óleo e gás, energia e química há 20 anos. É diretor da ABESPetro para o biênio 2016/2017.
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