Valor Econômico
O gasoduto da Venezuela até Buenos Aires, que vai atravessar parte da Amazônia cruzando o Brasil, é visto com dúvida e até uma ponta de ceticismo por especialistas, que apontam o suprimento de Gás Natural Liquefeito (GNL), a ser transportado por navio, como alternativa mais econômica. Na própria Petrobras já se avalia o risco do projeto para os investimentos em gás da estatal na Bolívia e também a queda nas vendas de combustíveis líquidos que serão substituídos pelo gás.
Os riscos ambientais que cercam o projeto e que podem atrasar ou inviabilizar a concessão das licenças também não podem ser ignorados, assim como as incertezas quanto ao preço. Isso porque o preço estimado para esse gás - entre US$ 1 a 1,7 por milhão de BTUs (British Thermal Unit), sem considerar a tarifa de transporte - é considerado baixo. O preço é menor que o do gás da Bolívia, que hoje chega ao Brasil por US$ 3,20, sem contar os US$ 1,70 de transporte, que elevam para US$ 4,90 o preço final para consumo industrial. Há temores quanto a mudanças políticas na Venezuela depois que o projeto estiver concluído.
As tentativas do novo presidente da Bolívia, Evo Morales, de renegociar o preço do gás exportado para o Brasil são sempre citadas como exemplo de risco político. Também se pergunta por que a Venezuela quer vender gás para o Cone Sul por menos do que o preço que o Estados Unidos poderia pagar, já que lá o gás já foi vendido por US$ 14 o milhão de BTUs.
Também se questiona o fôlego da PDVSA para financiar a exploração de todo esse gás na Venezuela. Marco Aurélio Tavares, diretor da empresa de consultoria Gás Energy, estima que serão necessários pelo menos US$ 15 bilhões em investimentos para que a Venezuela possa produzir os 150 milhões de metros cúbicos de gás/dia. Com a obra, a conta subiria para US$ 38 bilhões, no mínimo.
Tanto Tavares quanto o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), acham que a PDVSA pode ter problemas para levantar tantos recursos. "Como Chávez está usando a renda do petróleo para suas políticas sociais na Venezuela e América do Sul, falta explicar de onde virá o dinheiro para todos esses investimentos", diz Pires.
Tavares acha que o projeto precisa de ampla discussão com a sociedade, para que ela decida se o Brasil deve basear seu desenvolvimento no que considera "subsídio do preço do gás da Venezuela". Ele defende a construção de unidades para transformar em gás novamente o GNL, que pode ser importado por menos, reduzindo a dependência do Brasil da Venezuela.
Tavares também avalia que pela metodologia de tarifa postal para o gasoduto - pela qual o preço do transporte é o mesmo, independente do ponto de entrega - os consumidores brasileiros estarão subsidiando tarifa para os argentinos. A maior parte da tarifa seria "amortecida" no Brasil antes de chegar ao país vizinho.
"Será que é interessante para o Brasil desenvolver mercados consumidores com base em um preço de gás subsidiado por outro país? Quem vai garantir que a Argentina, que hoje tem preços de gás congelados, está disposta a pagar pelo gás importado, que terá duplo subsídio, no gás e no transporte?", questiona.
Outro crítico do projeto é o secretário de Petróleo, Energia e Indústria Naval do Rio de Janeiro, Wagner Victer, para quem o projeto é "uma intenção megalômana próxima daquela que inspirou a Rodovia Transamazônica". Ele teme que o projeto reduza investimentos em exploração de gás no Brasil, sem contribuir para a redução dos preços internos.
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